por Seraphim Rose, do livro "God's Revelation to the Human Heart"
Por que alguém estuda religião? Há muitas razões incidentais, mas há apenas uma razão se a pessoa é realmente sincera: em poucas palavras, é ter contato com a realidade, encontrar uma realidade mais profunda que a realidade cotidiana que muda rapidamente, não deixa nada para trás e não dá qualquer felicidade duradoura para a alma humana. Toda religião tem suas tentativas sinceras de abrir contato com esta realidade. Eu gostaria de dizer algumas palavras hoje sobre como o Cristianismo Ortodoxo tenta fazer isso: abrir a realidade espiritual para o peregrino, o curioso da religião.
Procurar a realidade é uma tarefa perigosa. Vocês todos provavelmente já ouviram histórias de como jovens de nossos tempos de procura “se estragaram” tentando encontrá-la, e, ou morrem jovens, ou carregam para o resto da vida uma existência sombria en uma fração de seu potencial mental e espiritual. Eu mesmo me lembro de um amigo dos dias de minha própria procura, 25 anos atrás, quando Aldous Huxley acabara de descobrir o valor supostamente “espiritual” do LSD e influenciara muitos a seguirem-no. Este jovem, um peregrino típico que poderia estar assistindo a um curso como este aqui, certa vez me disse: “Não importa o que você acha dos perigos das drogas, você deve admitir que qualquer coisa é melhor que o cotidiano americano, que é espiritualmente morto.” Eu discordei, já que desde então eu já começava a apreender que a vida espiritual tem duas direções possíveis: pode levar-nos a uma mais elevada que esta vida cotidiana de corrupção, ou uma mais baixa, literalmente trazendo consigo uma morte espiritual, ou até física. Ele seguiu seu próprio caminho, e, antes mesmo dos trinta anos, era um velho caquético, com a mente arruinada e qualquer busca pela realidade deixada para trás.
Experiências
semelhantes podem ser vistas entre pessoas que buscam variadas formas de
experiências psíquicas, estados “extracorpóreos”, encontram-se com “ÓVNIS”, e
por aí vai. (A experiência do suicídio em massa de Jonestown em 1980 é o
bastante para lembrar-nos dos perigos inerentes à peregrinação espiritual.)
Nossa literatura ortodoxa tem alguns bons exemplos instrutivos deste tipo. Aqui
vou apenas citar um, da vida de São Nicetas das Cavernas de Kiev, que viveu
quase mil anos atrás na Rússia:
Se você consultar um manual de teologia ortodoxa, perceberá que a verdade não pode ser descoberta pelos poderes limitados do homem. Você pode ler as Escrituras ou qualquer livro sagrado e nem mesmo entender o que dizem. Há um exemplo disto no Livro de Atos, na história do Apóstolo Filipe e do eunuco etíope:
O blog iniciou uma tradução do livro de Seraphim Rose sem saber que um outro grupo já o havia traduzido, apesar de ainda não o ter publicado. Entretanto, publica-se aqui um trecho: por um lado, para que não se descarte o trabalho; por outro, já introduzindo parte do texto para os que desejarem lê-lo integralmente quando for possível.
Por que alguém estuda religião? Há muitas razões incidentais, mas há apenas uma razão se a pessoa é realmente sincera: em poucas palavras, é ter contato com a realidade, encontrar uma realidade mais profunda que a realidade cotidiana que muda rapidamente, não deixa nada para trás e não dá qualquer felicidade duradoura para a alma humana. Toda religião tem suas tentativas sinceras de abrir contato com esta realidade. Eu gostaria de dizer algumas palavras hoje sobre como o Cristianismo Ortodoxo tenta fazer isso: abrir a realidade espiritual para o peregrino, o curioso da religião.
Procurar a realidade é uma tarefa perigosa. Vocês todos provavelmente já ouviram histórias de como jovens de nossos tempos de procura “se estragaram” tentando encontrá-la, e, ou morrem jovens, ou carregam para o resto da vida uma existência sombria en uma fração de seu potencial mental e espiritual. Eu mesmo me lembro de um amigo dos dias de minha própria procura, 25 anos atrás, quando Aldous Huxley acabara de descobrir o valor supostamente “espiritual” do LSD e influenciara muitos a seguirem-no. Este jovem, um peregrino típico que poderia estar assistindo a um curso como este aqui, certa vez me disse: “Não importa o que você acha dos perigos das drogas, você deve admitir que qualquer coisa é melhor que o cotidiano americano, que é espiritualmente morto.” Eu discordei, já que desde então eu já começava a apreender que a vida espiritual tem duas direções possíveis: pode levar-nos a uma mais elevada que esta vida cotidiana de corrupção, ou uma mais baixa, literalmente trazendo consigo uma morte espiritual, ou até física. Ele seguiu seu próprio caminho, e, antes mesmo dos trinta anos, era um velho caquético, com a mente arruinada e qualquer busca pela realidade deixada para trás.
Cheio
de zelo, Nicetas pediu a seu Abade que o abençoasse para viver em reclusão O
Abade (que era São Nikon) o proibiu, dizendo: “Meu filho! Não é bom que vocês
jovens sejam indolentes. Melhor que vivam entre irmãos. Servindo-lhes não
perderão sua recompensa. Você mesmo sabe como Isaque[1] foi iludido por demônios
em reclusão. Estaria morto, não lhe tivesse salvo a graça especial de Deus,
pelas orações dos Padres Antônio e Teodósio.”
“Padre,”
respondeu Nicetas “Eu jamais serei enganado por nada deste tipo, mas quero ser
firme contra os ardis dos demônios e pedir a Deus que me dê o dom da
taumaturgia, como Isaque o Recluso, que mesmo até agora executa muitos
milagres.”
“Seu
desejo”, disse novamente o Abade, “está além de seu poder. Fica em guarda para
que, tendo sido elevado, não caia. Eu, pelo contrário, ordeno-lhe que sirva aos
seus irmãos, e receberá uma coroa de Deus por sua obediência.”
Nicetas,
atraído pelo fortíssimo zelo pela vida em reclusão, não tinha a menor vontade
de fazer o que o Abade lhe dissera. Ele seguiu o que tinha em mente. Fechou-se
em reclusão e continuou rezando sem nunca sair. Depois de certo tempo, enquanto
rezava, escutou uma voz que rezava com ele, e sentiu um cheiro extraordinário.
Enganado por isto, disse a si mesmo: “Se este não fosse um anjo, não teria
rezado comigo e não cheiraria como o Espírito Santo.” Nicetas começou a orar
zelosamente, dizendo: “Senhor, manifesta-Te a mim inteligivelmente, de forma
que eu possa ver-Te.”
Então,
houve uma voz que lhe disse, “Não aparecerei para ti porque és jovem, para que,
tendo sido elevado, não caias.”
O
recluso respondeu com lágrimas, “Senhor, eu jamais serei iludido, porque o
Abade me ordenou que não respondesse à ilusão diabólica, mas farei tudo que me
ordenares.”
Então,
tendo conseguido poder sobre ele, a cobra destruidora de almas disse, “É
impossível que um homem ainda em carne me veja. Mas, vê, estou mandando meu anjo
para que fique contigo. Segue seu desejo.”
Com
estas palavras, um demônio em forma de anjo apareceu ao recluso. Nicetas caiu
ante seus pés e adorou-o como um anjo. O demônio disse, “A partir de hoje não
rezes, mas lê livros. Desta forma, entrarás em constante diálogo com Deus e
receberás o poder de dar ensinamentos salutares àqueles que vierem a ti, e
orarei sem cessar ao Criador de tudo por tua salvação.”
O recluso
creu nestas palavras e foi ainda mais iludido. Ele parou de rezar e ocupou-se
com leitura. Ele via o demônio constantemente e alegrava-se, supondo que um
anjo rezava por ele. Então, começou a falar muito da Escritura àqueles que
vinham a ele, e profetizar como o recluso palestino.
Sua
fama se espalhou entre as pessoas do mundo e chegou à corte do Grão-Príncipe.
Em verdade, não profetizava, mas contava aos que vinham a ele onde bens
roubados haviam sido postos ou onde algo havia acontecido em um lugar distante,
obtendo sua informação do demônio que o visitava. Então, contou ao
Grão-Príncipe Iziaslau sobre o assassinato do Príncipe Gleb de Novgorod, e lhe
aconselhou que enviasse seu filho para tomar o principado e reinar em seu
trono. Foi o suficiente para as pessoas mundanas aclamarem o recluso como um
profeta. É observável que pessoas mundanas e até mesmo monges sem discernimento
espiritual são quase sempre atraídas por embusteiros, impostores, hipócritas e
aqueles em ilusões demoníacas, e tomem-nos como santos e servos genuínos de
Deus.
Ninguém
se comparava a Nicetas em termos de conhecimento do Antigo Testamento. Mas ele
não suportava o Novo Testamento, nunca tirando seus discursos dos Evangelhos ou
das Epístolas Apostólicas, e não permitia que nenhum de seus visitantes
mencionasse nada do Novo Testamento. Por este viés estranho no ensinamento, os
padres do Monastério das Cavernas de Kiev perceberam que estava sendo enganado
por um demônio. Havia, neste tempo, muitos santos monges abençoados com dons espirituais
e graças no monastério. Eles tiraram o demônio de Nicetas com suas preces.
Nicetas parou de vê-lo. Os padres tiraram Nicetas de sua reclusão e pediram-lhe
que lhes contasse algo sobre o Antigo Testamento. Mas jurou que jamais lera
estes livros, que previamente já sabia de cor. Pois havia até esquecido como
ler, tanta fora a influência da ilusão satânica, e foi apenas com grande
dificuldade que aprendeu a ler de novo. Por meio das preces dos santos padres,
voltou a si, reconheceu e confessou seu pecado, lamentou-o com lágrimas amargas
e ganhou um grande grau de santidade e o dom da taumaturgia em uma humilde vida
entre os irmãos. Subsequentemente, São Nicetas seria consagrado Bispo de
Novgorod.[2]
Esta
história nos levanta uma questão para os dias de hoje. Como pode um peregrino
evitar as armadilhas que ele encontra em sua peregrinação? Só há uma resposta
para esta pergunta: ele não deve estar em sua procura em busca de experiências religiosas, que podem
enganá-lo, mas da verdade. Qualquer
um que estuda religião seriamente se vê nesta pergunta: é, literalmente, uma
questão de vida ou morte.
Nossa
fé cristã ortodoxa, em contraste com as confissões ocidentais, é frequentemente
“mística”: está em contato com uma realidade espiritual que produz resultados
normalmente ditos “sobrenaturais”, por estarem fora de qualquer lógica ou
experiência mundanas. Não é necessário procurar a literatura ancestral para
achar exemplos, pois a vida de um taumaturgo em nossos dias é cheia de
elementos místicos. Arcebispo João Maximovitch,[3] que morreu apenas quinze anos
atrás e vivia aqui nesta parte da Califórnia como Arcebispo de São Francisco,
era visto em luz brilhante, levitava durante as orações, era clarividente,
executava milagres de cura... Nada disto, no entanto, é relevante em si mesmo;
pode facilmente ser imitado por falsos taumaturgos. Como sabemos que ele estava
em contato com a verdade?
Se você consultar um manual de teologia ortodoxa, perceberá que a verdade não pode ser descoberta pelos poderes limitados do homem. Você pode ler as Escrituras ou qualquer livro sagrado e nem mesmo entender o que dizem. Há um exemplo disto no Livro de Atos, na história do Apóstolo Filipe e do eunuco etíope:
E o
anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Levanta-te e vai para a banda do Sul,
ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza, que está deserto. E levantou-se e
foi. E eis que um homem etíope, eunuco, mordomo-mor de Candace, rainha dos
etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros e tinha ido a
Jerusalém para adoração, regressava e, assentado no seu carro, lia o profeta
Isaías. E disse o Espírito a Filipe: Chega-te e ajunta-te a esse carro. E,
correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías e disse: Entendes tu o que lês?
E ele disse: Como poderei entender, se alguém me não ensinar? E rogou a Filipe
que subisse e com ele se assentasse. E o lugar da Escritura que lia era este:
Foi levado como a ovelha para o matadouro; e, como está mudo o cordeiro diante
do que o tosquia, assim não abriu a sua boca. Na sua humilhação, foi tirado o
seu julgamento; e quem contará a sua geração? Porque a sua vida é tirada da
terra. E, respondendo o eunuco a Filipe, disse: Rogo-te, de quem diz isto o
profeta? De si mesmo ou de algum outro? Então, Filipe, abrindo a boca e
começando nesta Escritura, lhe anunciou a Jesus. E, indo eles caminhando,
chegaram ao pé de alguma água, e disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que
eu seja batizado? E disse Filipe: É lícito, se crês de todo o coração. E,
respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. E mandou
parar o carro, e desceram ambos à água, tanto Filipe como o eunuco, e o
batizou. E, quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, e
não o viu mais o eunuco; e, jubiloso, continuou o seu caminho.[3]
Há
vários elementos sobrenaturais e místicos neste relato: o anjo diz a Filipe
aonde ir (ainda que para o etíope parecesse apenas um encontro de sorte no
deserto), e, mais tarde, depois do batismo, o Espírito do Senhor arrebata
Filipe, que desaparece ante os olhos do eunuco. Mas não foi isso que fez o
eunuco querer ser batizado e tornar-se um cristão. Havia algo mais que o
afetava: não os milagres, mas algo em seu coração. Milagres, apesar de às vezes
ajudarem alguém a vir para a Igreja, não são a razão correta para aceitar o
cristianismo. No mesmo Livro de Atos, lemos a história de Simão Mago, que quis
pagar para juntar-se à Igreja e receber os dotes do Espírito Santo, porque eram
muito espetaculares e miraculosos. Ele estava na magia, “profissão” lucrativa
de seu tempo, em uma época que, quanto mais coisas sobrenaturais alguém pudesse
fazer, mais dinheiro e prestígio ganharia, e em que havia mais dessas coisas
acontecendo na Cristandade que no mundo pagão. Como sabemos do Livro de Atos, o
pedido de Simão foi negado pelo Apóstolo Pedro e ele teve um mau fim, dando-nos
a palavra “simonia” para o conceito de tentar comprar a graça de Deus.
Em
contraste, quando Filipe falou com o eunuco etíope, algo no coração do mesmo
mudou. É dito no Livro de Atos que ele passou a “crer”, isto é, seu coração foi
derretido pela verdade que ouviu. As palavras da Escritura são muito poderosas,
e, quando a verdadeira interpretação lhes é dada, algo no homem “abre-se” se
seu coração está pronto. Assim sendo, o eunuco aceitou Cristo com toda sua
alma, ele foi um homem mudado. Isso não foi por causa de milagres, mas por
causa do que Cristo veio trazer à terra.
Notas:
O blog iniciou uma tradução do livro de Seraphim Rose sem saber que um outro grupo já o havia traduzido, apesar de ainda não o ter publicado. Entretanto, publica-se aqui um trecho: por um lado, para que não se descarte o trabalho; por outro, já introduzindo parte do texto para os que desejarem lê-lo integralmente quando for possível.
Que Deus os abençoe e permita que esta excelente obra possa chegar às mãos do público falante de português.
Referências:
[1] Refere-se a Santo Isaque o Recluso,
que, tomado por demônios em visões que simulavam Cristo, ficou catatônico por
anos, sendo acudido por Santo Antônio e São Teodoro das Cavernas de Kiev. (N.T.)
[2]
BRIANCHANINOV, B. I. The Arena. Jordanville, New York: Holy Trinity Monastery,
1983. p. 31–34.
[3] Arcebispo João foi canonizado pela Igreja Ortodoxa Russa no Exterior em 1994 como São João de Xangai e São Francisco.
[4] Atos 8:26–39, ARC95
[3] Arcebispo João foi canonizado pela Igreja Ortodoxa Russa no Exterior em 1994 como São João de Xangai e São Francisco.
[4] Atos 8:26–39, ARC95
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